Sergio Cruz Lima
"Pra missa das Almas!"
Sergio Cruz Lima
Ele não é um tipo de rua moderno; ao contrário, é bem antigo.
Chico Cambraia era um pardo de 50 anos, alto, corpulento, cor de formiga. Tocava violão e cantava modinhas e lundus. Sua voz, um pouco aflautada, marchetava de certa graça os fados e fadinhos que executava, especialmente em tons menores. Propenso a ternuras, ninguém como ele modulava. Seu emprego consistia em pedir esmolas para as Almas. E toda segunda-feira, religiosamente, era a mesma cantilena. A sua opa e a sua bacia de prata reluziam espelhantes, bem como a vara de prata com a imagem de São Miguel e Almas, que dava a beijar aos devotos. Chico residia em uma casa térrea da rua do Hospício, onde às vezes reuniam-se irmãos das Almas e de outras confrarias, que vinham falar sobre os proventos do ofício, ou ouvir tocar e cantar o amável colega.
Quando havia enforcado, Chico seguia o préstito e pedia para a missa do irmão padecente com uma entoação doída e grave: "Pra missa das Almas!" No dia de finados, desde o alvorecer fazia plantão à porta das igrejas. A cada fiel que entrava para os ofícios fúnebres, apresentava a salva, implorando solene: "Pra missa das Almas!" De ordinário, pedia esmolas aos transeuntes e tinha lista das boas casas onde costumava pedir. E o fazia, sim. Em casa de amigo, por volta do escurecer, Chico acendia a vela de carnaúba, fechava as janelas da sala, colocava sobre o aparador o dinheiro arrecadado para as Almas e começava, jogando o pacau: "Ora, vamos lá; é de maninha-maninha o nosso jogo... Tomem lá duas cartas, senhoras Almas, e eu fico com as que me couberem por sorte". E Chico Cambraia deitava o baralho, empilhando moedas de cobre e prata, que retirava do repositório das esmolas. "Não se assustem, o meu é emprestado". E jogava à forra.
No ajuste de contas com a confraria, a qualquer observação do tesoureiro à vista do resultado quase negativo da salva, Chico abanava a cabeça, encolhia os ombros e retorquia paciente: "Meu amigo, o negócio não pinga, porque os tempos estão bicudos..." No dia seguinte, Chico Cambraia, esfregando as mãos, percorria a cidade, de opa verde e bacia de prata, pedindo aqui e ali, sempre atencioso e correto: "Pra missa das Almas!...
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